sexta-feira, 28 de setembro de 2012

Os efeitos do pagamento em Darf e da compensação tributária podem ser integralmente equiparados?

                       Quais os limites jurídicos para a atribuição dos efeitos próprios do pagamento (Darf) à compensação tributária (DCOMP)? Este é um tema que tem surgido com frequência nos julgamentos do contencioso administrativo federal.
Nesse contexto, registra-se uma tendência normativa, nem sempre autorizada, de se outorgar os efeitos próprios do pagamento à figura igualmente extintiva da compensação. É induvidoso que tal atribuição não deve seguir a esmo, sem fundada razão, já que deve estar norteada pelo postulado da congruência (razoabilidade-congruência), tendo em vista que pagamento em sentido estrito e compensação são formas extintivas do débito fiscal essencialmente distintas.
A título ilustrativo, exponho o seguinte caso:
O contribuinte pleiteia o reconhecimento de indébito tributário sobre recolhimento em Darf integralmente apropriado a débito fiscal correspondente, ao fundamento de que este teria sido liquidado mediante compensação tributária informada posteriormente em DCOMP ou DCTF. Essa conduta mereceu rechaço no Acórdão nº 08-20.265, de 15.03.2011, da 4ª Turma/DRJ/FOR, como se testifica na ementa exarada, disponível no sítio da Secretaria da Receita Federal do Brasil:
Assunto: Normas Gerais de Direito Tributário
Ano-calendário: 2003
PAGAMENTO VINCULADO A CRÉDITO TRIBUTÁRIO EXISTENTE. DESVINCULAÇÃO EM DCTF. ARTIFÍCIO QUE NÃO GERA PAGAMENTO A MAIOR OU INDEVIDO.
A posterior desvinculação do pagamento do crédito tributário correspondente, intentada mediante DCTF original ou retificadora, não gera pagamento a maior ou indevido.
No caso, foi examinada a legitimidade do pedido de compensação com o alegado indébito gerado a partir da modificação, por ocasião da apresentação de DCTF retificadora, da estrutura do crédito vinculado a débito fiscal existente, na qual passa a utilizar apenas parcela do Darf correspondente para quitar o débito, restando disponível para compensação a outra parte do pagamento.
Entendo que tal pedido não seja admitido pela legislação tributária, além do que deixa de observar os efeitos inerentes ao ato jurídico do pagamento em sentido estrito.
Por ser espécie de obrigação jurídica, a obrigação tributária também encontra sua sistematização na Teoria Geral das Obrigações, valendo dispor acerca da natureza, elementos e dos efeitos do pagamento em sentido estrito, enquanto modalidade extintiva voluntária e direta das obrigações jurídicas.
Segundo a doutrina, pagamento em sentido estrito é ato jurídico consistente na prestação específica da conduta estipulada, no tempo e lugar previstos. No caso de obrigações jurídicas, o objeto da conduta se investe de conteúdo eminentemente econômico, a exemplo da obrigação tributária, que tem por objeto prestação pecuniária em dinheiro (art. 3º do Código Tributário Nacional - CTN).
Dois são os elementos constituintes do ato de pagamento: um objetivo, a prestação de algo; outro subjetivo, o animus solvendi da obrigação assumida ou legal. Para sua caracterização, tais elementos devem ser aferidos no momento de realização do ato de pagar; não em outro, como o da apresentação da DCTF retificadora, ou mesmo da DCTF original.
Consumado o ato de pagamento, nos termos previstos contratual ou legalmente, deflagram-se os efeitos  que lhe são próprios, principais e secundários. Seu principal efeito é o de pôr termo a relação de débito e crédito, extinguindo ipso facto a obrigação jurídica. Exaurem-se, dessa forma, os efeitos do ato de pagamento, que, por essa razão, passa a estar inexoravelmente apresilhado ao débito da relação obrigacional.
  Apenas na hipótese de o pagamento ter sido realizado a maior, é que o solvens poderá reclamar a devolução da quantia indevida (art. 165 do CTN).
 Adentrando a seara tributária, verifica-se que essa vinculação do pagamento ao débito fiscal ganha incisiva firmação, já que se está no âmbito de uma obrigação ex lege. É que o pagamento antecipado no âmbito dos tributos submetidos ao lançamento por homologação tem a eficácia de extinguir o crédito tributário apurado pelo próprio contribuinte, sem qualquer participação inicial do credor nessa relação (Fazenda Pública), que, posteriormente, dentro do prazo de cinco anos contados do fato gerador, poderá levantar e lançar diferença de crédito tributário impago (arts 150 e 156 do CTN).
Ora, o próprio contribuinte apura e declara um crédito tributário de mesmo valor do recolhimento efetuado, que é integralmente utilizado na quitação do débito declarado em DCTF. Verifica-se aqui que o animus solvendi da prestação pecuniária está fielmente retratado na DCTF original, ao vincular ao crédito tributário apurado o valor integral do pagamento correspondente.
Num segundo momento, no entanto, o interessado deixa de retratar àquela realidade inicial, ao expor, em DCTF retificadora, uma nova estrutura do crédito vinculado ao débito fiscal, na qual passa a utilizar apenas parte do pagamento, gerando, assim, um “excesso compensável”. Não é demais lembrar que o ato de homologação fiscal tem por objeto o pagamento antecipado pelo contribuinte, e não as vinculações entre débito e crédito informadas na DCTF, de modo que o vínculo entre pagamento e débito fiscal não pode ser posteriormente desvirtuado pelo declarante. No entanto, para cobrir o exsurgido saldo devedor, a ele vincula um crédito de compensação. É a alquimia do indébito de pagamento. Tal prática põe à disposição do contribuinte parcela do pagamento que já não mais lhe pertencia (amplificado pela Selic computada desde a data do pagamento) e atribula o Fisco com informação (só em DCTF) ou pedido de compensação (em PER/DCOMP) cronologicamente distanciado do débito compensado e, mais ainda, da gênese do alegado crédito.
De outra parte, o contribuinte poderia, sem se expor a igual situação de risco, ter utilizado o crédito que alega possuir com novos débitos, respeitando a vinculação do pagamento efetuado ao débito fiscal correspondente. Ao proceder da outra maneira, o manifestante atua de modo contraditório, externando uma intenção que, além de contrariar a legislação tributária, vulnera o princípio da boa-fé objetiva, na vertente no venire contra factum proprium.
A propósito do tema, é mister ressaltar que os deveres de lealdade, de confiança e de boa-fé, obrigam não só a Administração, mas também o administrado, por força do art. 4º, inciso II, da Lei 9.784/99, verbis: “São deveres do administrado perante a Administração, sem prejuízo de outros previstos em atos normativos: (...) II – proceder com lealdade, urbanidade e boa-fé”.
Vale dizer que o princípio da boa-fé traduz norma de conduta que impõe aos sujeitos de uma relação jurídica o dever de respeitar o outro, agindo com lealdade, ética, de modo a proteger a confiança recíproca. Com esse conteúdo, o princípio da boa-fé proíbe nuclearmente o venire contra factum proprium, ou seja, o agir de modo contraditório de qualquer uma das partes de uma relação jurídica. Acerca desse instituto, disserta Marcelo Colombelli Mezzomo, in A boa-fé objetiva e seus institutos. Jus Navegandi, Teresina, ano 11, nº 1212, 26 out. 2006. Disponível em: <http://jus.uol.com.br/revista/texto/9087>. Acesso em: 28 nov. 2010.
                      Com base nessas razões, não reconheço a existência do alegado indébito relativo a pagamento originalmente atrelado, em sua integralidade, a débito fiscal apurado e declarado pelo contribuinte.
Isso porque a compensação tributária é forma de pagamento indireto do crédito tributário, enquanto o recolhimento em Darf se lhe apresenta como pagamento direto (Maria Helena Diniz) – essa constitui a diferença específica entre essas duas modalidades extintivas da obrigação tributária.
Atentando para isso, respeitando, portanto, a essencialidade de cada forma extintiva, o legislador ordinário conferiu à compensação tributária idênticos efeitos ao recolhimento via Darf de débito formalizado em lançamento de ofício, ao favorecer o contribuinte com a mesma redução da multa aplicada.
Antes, porém, atribuiu-se à compensação eficácia própria de pagamento prevista no §1º do art. 150 do CTN, segundo a qual a declaração de compensação extingue o débito fiscal sob condição resolutória de ulterior homologação (§2º do art. 74 da Lei nº 9.430, de 1996, incluído pela Lei 10.637, de 2002). Mas, assim como se dá com o pagamento, o que extingue o débito tributário não é a informação da compensação em DCTF (que é passível de manipulação pelo contribuinte), mas a própria compensação. Se pago em duplicidade o mesmo débito, o indébito decorre do segundo pagamento, e não do primeiro, ainda que o contribuinte retifique a DCTF para atrelar-lhe o segundo pagamento, disponibilizando, de outra parte, o primeiro. Em verdade, o segundo pagamento padece de falta de objeto ou finalidade, sendo este o fundamento do indébito.
Em outras palavras, pagamento de débito extinto (§4º do art. 150 do CTN) é pagamento indevido. Da mesma maneira, compensação de débito extinto é compensação indevida, devendo, todavia, ser cancelada, pois que não há restituição de compensação indevida, mas há de pagamento indevido. Vejam aí que pagamento em sentido estrito e compensação não são a mesma coisa. Tanto não o são que, por óbvias razões, o legislador determinou que o prazo de homologação da compensação seja contado da data do PER/DCOMP, e não da ocorrência do fato gerador, como sucede na hipótese de pagamento, prevista no art. 150, §4º, do CTN (§5º do art. 74 da Lei nº 9.430, de 1996, com redação dada pela Lei nº 10.833, de 2003).
Já finalizando, vale assinalar que a Secretaria da Receita Federal do Brasil não está preparada, ao nível de sistema, para coarctar na origem manipulações do contribuinte na estrutura dos créditos vinculados ao débito declarado, que visem a gerar artificiosamente pagamento a maior ou indevido de tributo. Entretanto, os órgãos de julgamento estão.
Fiquem atentos!
                       (Vivemos tempos de perigoso relativismo. As palavras se rebelaram contra o sentido socialmente compartilhado que possuem e contra as coisas que costumavam denotar. Assim, compensação já não é compensação; pagamento já não é também pagamento. Compensação é pagamento e pagamento é compensação. Pode um negócio desse?!)
                      
                       Autor: Raimundo Parente de Albuquerque Júnior

terça-feira, 25 de setembro de 2012

As semelhanças e a incompatibilidade metodológica entre os postulados da razoabilidade e da proporcionalidade

Não é pacífico o tipo de relação que travam entre si os postulados da razoabi­lidade e da proporcionalidade, sendo consenso, todavia, que ambos estão associados a ideias de racionalidade, moderação e de justiça material, e que ambos se prestam como parâmetros de aferição da legitimidade constitucional de leis, atos administra­tivos e decisões judiciais.
Nessa seara, três são as teses que procuram explicar a relação entre os postula­dos da razoabilidade e da proporcionalidade, a saber:
i)  Identidade, segundo a qual um princípio equivale ao outro; essa é a posição sustentada, entre outros, por Luís Roberto Barroso (relação de fungibilidade) e por Gilmar Ferreira Mendes (relação de intercambialidade);
ii) Inclusão, segundo a qual um princípio é deduzido do outro, ou seja, o conteúdo significativo de um contém o conteúdo significativo do outro; de um lado, Maria Sylvia Zanella di Pietro e Celso Antônio Bandeira de Mello afirmam que o princípio da proporcionalidade é apenas expressão ou faceta do princípio da razoabilidade; de outro, Eros Roberto Grau e Odete Medauar englobam o sentido da razoabilidade no princípio da proporcionalidade;
iii)   Autonomia, segundo a qual os princípios estremam-se no conteúdo e no modo como operam na estruturação da aplicação do direito; Willis Santiago Guerra Filho e Humberto Ávila defendem a tese da diferenciação ou autonomia; o argumento que se revela mais elaborado em prol dessa vertente parece ser aquele fornecido por Ávila, consoante o qual o postulado da proporcionalidade tem por objeto a estruturação entre meio e fim empiricamente discerníveis, ao passo que o postulado da razoabilidade consubstancia um exame concreto-individual de bens jurídicos envolvidos, atentando tão somente para as particularidades e excepcionalidades do caso individual (Wilson Steinmetz).
Adota-se a tese da autonomia do postulado da razoabilidade em relação ao da proporcionalidade, segundo a qual o conteúdo normativo, a metódica aplicativa e o âmbito de atuação de cada qual se distinguem e se apartam, tendo tais diferenciações por fundamento a diversidade das respectivas bases epistemológicas.
Antes, porém, de enunciar e descrever cada uma dessas instâncias distintivas, calha mencionar os pontos de conexão entre razoabilidade e proporcionalidade, que as credenciam a pertencer à categoria de postulado normativo.
A semelhança fundamental entre a proporcionalidade e a razoabilidade situa-se no aspecto funcional. Tais normas operam objetivando não somente repelir a consuma­ção de decisões estatais socialmente inaceitáveis, injustas, arbitrárias, mas também servir de instrumento normativo de controle da legitimidade da atuação estatal, exi­gindo, para este fim, que se examine a atuação não apenas pela mera conformidade formal dos atos administrativos com os parâmetros da legalidade ou normatividade estrita. Operam, portanto, como “parâmetro de valoração dos atos do Poder Público para aferir se eles estão informados pelo valor superior inerente a todo ordenamento jurídico: a justiça” (Luís Roberto Barroso). A forma de alcançar esse objetivo é portando-se como princí­pio interpretativo, isto é, como postulado normativo.
Além de buscarem impregnar a norma concretizada da axiologia constitucio­nal, os postulados normativos consubstanciam instrumentos para tornar transparente o processo de interpretação e aplicação do Direito em situações nas quais se faz necessário transcender, de forma fundamentada, a legalidade ou normatividade es­trita. Essa funcionalidade dos postulados se mostra particularmente útil na seara do Direito Administrativo, em que o apreço da Administração pelo princípio da lega­lidade repele qualquer flexibilização do dogma atinente a esse princípio. A trans­parência no processo de interpretação e aplicação do Direito obtém-se mediante uma estruturação da fundamentação do ato administrativo e a consideração de uma fase crítico-justificativa nesse processo, na qual preponderantemente atuam os pos­tulados na aferição da legitimidade da solução jurídica fundada na legalidade ou normatividade estrita.
Ademais de qualificarem-se como postulado normativo, ambos revelam a característica de topos argumentativo, “ao expressar um pensamento aceito como justo e razoável de um modo geral, de comprovada utilidade no equacionamento de questões, não só do direito em seus diversos ramos, como também em outras disciplinas” (Willis Santiago).
Enquanto instrumento de crítica da solução jurídica fundada na legalidade for­mal, reconhece-se nos postulados normativos a característica da subsidiariedade ou da residualidade, que pode ser vista sob dois aspectos.
O primeiro decorre do fato de os postulados atuarem além da mera legalidade ou normatividade estrita, impondo saber primeiramente se a atuação administrativa não viola nenhuma regra legal específica, o que se faz mediante a utilização de ou­tros instrumentos de aferição da conformidade jurídica do ato administrativo, tais como excesso de poder, motivos determinantes, desvio de poder, e vício de forma, o que poderia tornar dispensável a estruturação aplicativa à base dos postulados. Não raro, a jurisprudência judicial utiliza a razoabilidade e a proporcionalidade com o objetivo de examinar a validade de medida administrativa em casos em que bastaria a utilização dos parâmetros legais. Exemplo disso se vê na aplicação do postulado da proporcionalidade nos denominados “falsos problemas de ponderação”, em que não se verifica nenhum conflito de interesses juridicamente protegidos, ou na aplicação do postulado da razoabilidade, quando a medida legal não viola a esfera de proteção prima facie de nenhum princípio jurídico. Cabe observar que, especificamente em relação ao postulado da razoabilidade, a característica da residualidade advém de seu próprio fundamento normativo, o devido processo legal, que também a possui.
O segundo sentido da subsidiariedade advém do fato de a aplicação dos pos­tulados normativos requerer uma boa dose de subjetividade do intérprete, implicar certa imprevisibilidade e incontrolabilidade do resultado interpretativo e importar em invasão da competência legislativa, em vista do que se passa a exigir, como forma de atalhar tais inconveniências, que a utilização dos postulados se dê apenas na hipótese de a solução legal ofender, de forma manifesta, valores constitucionais superiores (justiça, democracia, igualdade, dignidade humana etc.).
Segundo Denise Lucena Cavalcante, os postulados têm também em comum o fun­damento lógico, já que “inseridos dentro do próprio conceito de Direito”. Exatamente por isso, a professora cearense entende não ser relevante a necessidade de vincular a proporcionalidade e a razoabilidade a determinado princípio jurídico.
Enunciadas as características comuns dos postulados, passa-se agora a traçar as notas distintivas que separam razoabilidade e proporcionalidade tal como defi­nidas anteriormente. Foi dito acima que, em virtude do fenômeno da expansão e do aprimoramento técnico na utilização do postulado da proporcionalidade, parte do conteúdo da razoabilidade, segundo a sua matriz histórica, acabou sendo absorvida pelo postulado da proporcionalidade de origem alemã, como sugerem as teses em prol da fungibilidade. Assim, pautas integrantes da razoabilidade, consistentes nas exigências de legitimidade da finalidade perseguida e de compatibilidade entre medida e finalidade, passaram a ser examinadas ao ensejo da aplicação do subprincípio da adequação do postulado da proporcionalidade.
O fenômeno citado não contempla todos os sentidos comportados pela razoa­bilidade segundo a matriz histórica, mas apenas aqueles que guardam proximidade conceitual com os subprincípios do postulado da proporcionalidade. O conteúdo remanescente da razoabilidade anglo-americana é encampado pelo postulado da ra­zoabilidade, que, assim, (i) avoca a funcionalidade de fazer observar o princípio da isonomia (razoabilidade-igualdade), obstando tratamentos discriminatórios por parte dos Poderes Públicos, e (ii) incorpora o conteúdo traduzido pela regra do “con­senso popular”, nem sempre compreendido na noção de proporcionalidade. Esse conteúdo passa a integrar a razoabilidade na condição de critério axiológico que co­necta os elementos que compõem a base epistêmica sobre a qual se apoia a aplicação do postulado da razoabilidade.
Essa conformação do conteúdo da razoabilidade é compatível com a sua rede­finição aqui postulada, segundo a qual esta norma passa a denotar outros juízos de ordem substantiva que transcendem a análise da relação meio-fim e a correlata ve­rificação da adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito das res­trições a direitos fundamentais. Assim definido, o postulado da razoabilidade não atua diretamente sobre os elementos operados no juízo de proporcionalidade, mas sobre elementos outros que tocam a racionalidade do ato ou decisão administrativa de maneira diferente, isto é, estabelecendo nexos de congruência lógica e axiológica entre motivo e objeto e entre estes e a realidade social. Isso ocorre porque nem toda irracionalidade jurídica manifesta-se por meio de um juízo de desproporciona­lidade. Vale dizer, igualmente, que nem toda irracionalidade jurídica envolve dire­tamente ofensa a direitos e garantias fundamentais.
A proporcionalidade não se inclui, portanto, na abrangência do conteúdo ju­rídico da razoabilidade, como sustenta uma das vertentes da tese da inclusão. Também não é uma medida ou definição operacional desta. Na verdade, cada qual possui um âmbito próprio de incidência e metódica específica de atuação, que se definem a partir das respectivas bases epistemológicas.
Quanto ao âmbito de aplicação, a razoabilidade estrutura a aplicação conjunta de regras e princípios, visando a harmonizar motivo e objeto do ato administrativo, fundados em estatuição geral, enquanto a proporcionalidade estrutura a relação entre princípios jurídicos posicionáveis numa relação meio-fim, em que pelo menos um deles tutela direito fundamental. Quanto à forma ou metódica de aplicação, a razoa­bilidade não opera equilibrando e otimizando bens jurídicos, mas estabelecendo ne­xos conceituais e axiológicos entre elementos empíricos ou normativos envolvidos na aplicação do Direito que possam fecundar soluções jurídicas inaceitáveis.
Por sua vez, a tensão entre princípios jurídicos não articulados numa relação empírica e teleológica resolve-se mediante a técnica da ponderação, em que não são levados em conta critérios empíricos, mas critérios jurídico-axiológicos. Em virtude disso, não se verifica a existência de relação de classe entre ponderação e propor­cionalidade, nem a proporcionalidade é uma medida operacional da ponderação. A relação entre juízo de ponderação e juízo de proporcionalidade está em que aquele integra o conteúdo normativo deste, sob a denominação de proporcionalidade em sentido estrito. Por essa razão, compartilham o mesmo âmbito de atuação, solvendo colisão de princípios jurídicos afetados por determinada medida.
Do exposto, pode-se afirmar que a estruturação normativa realizada pelo postulado da proporcionalidade possui natureza ponderativa - embora com a ponderação não se confunda -, uma vez que tanto a proporcionalidade quanto a pon­deração objetivam equilibrar e otimizar bens jurídicos numa determinada situação, seja com base em critérios empírico-jurídicos ou jurídico-axiológicos (postulado da proporcionalidade), seja apenas com base em critérios jurídico-axiológicos (técnica da ponderação), de modo que a ponderação é o eixo metodológico do postulado da proporcionalidade.
Nada obstante, nem toda estruturação aplicativa das normas possui essa na­tureza. Com efeito, o postulado da razoabilidade não atua diretamente sobre os elementos articulados no juízo ponderativo (situação, bens jurídicos), mas com elementos outros - motivo e objeto do ato administrativo -, que promovem a ra­cionalidade jurídica de outra maneira. A desarmonia entre esses elementos é que vem indiretamente implicar ofensa a princípios jurídicos, tais como: a liberdade de iniciativa, a moralidade administrativa, o direito de propriedade e princípios de alta fundamentalidade (justiça, segurança jurídica, igualdade, devido processo legal). Embora indiretamente afetados, esses princípios são estruturados pelo postulado da razoabilidade, juntamente com a regra legal.
Afirmar que o postulado da razoabilidade não possui uma natureza ponderati­va implica sustentar que as diferentes manifestações desse postulado não atuam oti­mizando ou equilibrando princípios jurídicos em conflito. Isso ocorre com todos os parâmetros da razoabilidade: as exigências de igualdade, congruência, equivalência e equidade (Humberto Ávila). Algumas dessas vertentes chegam até mesmo a operar em situação de inexistência de conflito entre interesses jurídicos, ou seja, em que não se vislumbra a intersecção entre as respectivas esferas de proteção de normas constitucionais que se opõem, colisão essa que é pressuposto da atividade de ponderar.
Procura-se demonstrar essa assertiva com alguns exemplos: (i) na situação de aplicação da razoabilidade-congruência, o Estado não comparece com o interesse de instituir benefício remuneratório sem um substrato fático, como no caso do adi­cional de um terço de férias sobre a remuneração dos inativos, ao mesmo tempo que ao cidadão não lhe cabe o direito de usufruí-lo; (ii) na situação de aplicação da ra-zoabilidade-equidade, como no “caso dos quatro pés de sofá”, o interesse do empre­sário de menor porte de submeter-se a um regime tributário simplificado (Simples) não se choca com o interesse do Estado de incentivar a indústria nacional por meio desse tipo de empresário, estabelecendo, para alcançar esse fim, a sua exclusão do Simples na hipótese de vir a importar produtos do estrangeiro; (iii) na situação de aplicação da razoabilidade-equivalência, não se pondera, de um lado, o direito à liberdade ou ao patrimônio do cidadão e, de outro, o direito estatal de reprimir os delitos cometidos, mas se verifica apenas se a pena aplicada corresponde à culpa do infrator, não havendo interesse da Administração em punir além do ponto de equi­valência; (iv) na situação de aplicação da razoabilidade-igualdade, não se pondera o interesse estatal de promover a igualdade material com o interesse do indivíduo a um tratamento jurídico que afete, na menor medida possível, a sua esfera jurídica de liberdade e patrimonial, mas se verifica apenas se o tratamento diferenciado se harmoniza com o critério de desequiparação, tendo em vista a concretização do princípio da igualdade. Por conseguinte, a ponderação não é efetivamente o eixo metodológico do postulado da razoabilidade.
De outra parte, a noção de razão é o eixo metodológico do postulado da ra­zoabilidade, não uma razão lógico-dedutiva, mas uma razão consensual, concreta, baseada na congruência entre elementos estranhos à relação meio-fim do ato administrativo.
Apenas a título de referência, é mister mencionar que essa distinção lógica entre os postulados pode ser, grosso modo, reconduzida aos dois pensamentos fun­damentais entre os quais transita a metodologia jurídica: o pensamento sistemático, de um lado, e o pensamento tópico, de outro. Com efeito, por operarem diretamente com as vigas mestras do sistema jurídico - os princípios jurídicos -, a ponderação e a proporcionalidade desempenham, na interpretação e na aplicação do Direito, uma função sistematizante de forma mais manifesta e direta do que a razoabilidade, que, por outro lado, se volta primeiramente para o contexto fático de incidência da norma, levando em conta na decisão jurídica as circunstâncias individuais da pessoa e da situação alcançada pela norma.
Ambos os postulados visam à promoção de uma unidade axiológica do Direito, mas cada um a seu modo. Vale dizer: a proporcionalidade de forma mais direta e evidente do que a razoabilidade. Com efeito, enquanto a proporcionalidade se baseia numa razão sistêmica, abstrata, formal, globalizante e dedutiva, e constitui a base do pensamento jurídico de tradição romano-germânica, a razoabilidade se lastreia numa razão tópica, concreta, material, situacional e indutiva, cerne, por sua vez, do pensamento jurídico anglo-americano.
Bem por essas razões, costuma-se associar a razoabilidade à noção de equida­de e ao momento aplicativo ou jurisdicional de positivação do Direito, sem olvidar, todavia, que a razoabilidade também se manifesta no momento produtivo ou legis­lativo do Direito, como evidenciam os diversos exemplos de leis declaradas irrazoá­veis pelo STF no controle abstrato das normas. Igualmente, como se viu, a equidade não é a única manifestação da razoabilidade.
Além da diferença metodológica inconciliável entre os postulados, outra diz respeito ao conteúdo normativo de cada um e à maneira como os elementos que o compõem relacionam-se entre si. Como já evidenciado, o exame da proporcionali­dade de uma medida administrativa requer a aplicação dos subprincípios da adequa­ção, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito, enquanto a razoabilidade se manifesta como exigência de igualdade, congruência, equivalência e equidade. Além da diferença de conteúdo, cabe observar a forma como os respectivos elemen­tos parciais relacionam-se entre si. Na proporcionalidade, as máximas parciais são sucessivamente ordenadas - ou seja, o exame da máxima subsequente pressupõe o atendimento da máxima antecedente - e possuem o mesmo campo de atuação (os princípios jurídicos em conflito). Já na razoabilidade, as pautas são sequen­cialmente independentes entre si e possuem campos de atuação distintos (v.g., a razoabilidade-equivalência aplica-se ao dimensionamento das sanções punitivas, a razoabilidade-igualdade aplica-se às medidas que instituem tratamento diferenciado entre pessoas, coisas ou situações).
Não obstante os postulados da razoabilidade e da proporcionalidade se estre­marem segundo os diversos aspectos mencionados, os resultados da aferição de uma medida estatal com base em cada postulado pode revelar mútua implicação entre as noções de razoável e proporcional, segundo a concepção que se lhes atribua. Uma forma fácil de visualizar essa relação consiste em representar cada uma des­sas noções por um círculo, ao modo dos diagramas lógicos de Venn, e examinar se um círculo inclui-se no outro ou secciona o outro. Grande parte da doutrina con­sidera o círculo representativo dos atos proporcionais como localizado no círculo representativo dos atos razoáveis, tendo por razoável o racionalmente aceitável e o não arbitrário (limite negativo), e, por proporcional, a medida otimizadora de bens jurídicos em colisão (fundamento positivo). Assim, uma medida desproporcional não necessariamente seria irrazoável, mas toda proporcionalidade implicaria em razoabilidade. Há quem sustente o contrário, ou seja, que uma medida ou decisão proporcional possa resultar arbitrária e irracional e, portanto, irrazoável, bastando, para que isso se dê, que o intérprete-aplicador não pondere todas as circunstâncias concorrentes.
Essa análise, contudo, não é aqui comportada em virtude da própria autonomia de conteúdo que se emprestou às noções de razoável e proporcional. Cada postulado tem âmbito específico e próprio de atuação, de modo que uma medida estatal geral­mente não é passível de aferição simultânea com base em ambos os postulados. Há, todavia, um momento em que razoabilidade e proporcionalidade compartilham os mesmos elementos a serem estruturados, o da aplicação da razoabilidade-equidade. Com efeito, uma lei proporcional em tese pode revelar-se irrazoável ao ser aplicada ao caso concreto, porque a medida prevista abstratamente pelo legislador não reali­za no caso específico o valor substancial que anima a sua vigência e aplicabilidade (inidoneidade da medida), ou, mesmo que realize, interfere em princípio que, no caso concreto, precede à finalidade legal (ponderação de princípios). Isso ocorre em virtude de particularidades pessoais e circunstanciais, não previstas na ponderação legislativa, as quais adquirem, no momento aplicativo do Direito, relevância jurídica a ponto de justificar até mesmo a não aplicação da regra legal ao caso (fatos porta­dores de juridicidade).

Autor: Raimundo Parente de Albquerque Júnior
Trecho do meu livro: "Juridicidade contra legem no processo administrativo"




quarta-feira, 19 de setembro de 2012

Natureza jurídica do despacho decisório de não homologação da compensação tributária


O despacho decisório no âmbito da compensação tributária tem por objeto o procedimento adotado pelo contribuinte de antecipar o recolhimento (ou a compensação) do tributo sem prévio exame da autoridade administrativa (art. 150 do Código Tributário Nacional – CTN). Neste ato, a autoridade fiscal testifica a acurácia do pagamento ou compensação em face do tributo considerado devido.
Como resultado desse exame, a autoridade pode concluir pela correção do pagamento ou compensação antecipada pelo contribuinte, quando se tem a figura do lançamento por homologação, em virtude do qual se considera lançado e extinto o tributo; ou, do contrário, pode firmar a incorreção ou insuficiência do pagamento ou compensação, quando não tem lugar o ato homologatório extintivo do crédito tributário, mas o lançamento de ofício da diferença não paga do tributo ou a cobrança do tributo objeto da compensação pleiteada, caso a lei atribua força constitutiva ao instrumento do pedido de compensação (como é o caso do PER/DCOMP).
Assim, o despacho decisório é ato que resulta do próprio lançamento por homologação, que tem por objeto o pagamento antecipado ou a autocompensação efetuada pelo contribuinte; da mesma forma que o auto de infração é ato fruto do lançamento de ofício, que, ao contrário, sequer pressupõe a antecipação liquidatória do tributo.
Conclui-se que o despacho decisório de não-homologação da compensação tem natureza de lançamento tributário.
Esta análise é de supina importância para se precisar a eficácia probatória da DCTF na comprovação do indébito tributário.
Com efeito, sendo o despacho decisório o próprio ato de lançamento por (não-)homologação, há de se lhe aplicar o princípio da imutabilidade do lançamento (regularmente notificado ao sujeito passivo), previsto no art. 145 do CTN, verbis:
Art. 145. O lançamento regularmente notificado ao sujeito passivo só pode ser alterado em virtude de:
I - impugnação do sujeito passivo;
II - recurso de ofício;
               III - iniciativa de ofício da autoridade administrativa, nos casos previstos no artigo 149.
As duas primeiras hipóteses são ocorrentes no processo administrativo tributário, ou seja, o lançamento pode ser alterado mediante voluntária contestação do sujeito passivo à exigência do crédito tributário lançado de ofício ou defluente da não homologação da autocompensação (via PER/COMP, p.ex.); ou por meio do obrigatório recurso, que a autoridade judicante de primeira instância administrativa interpõe de suas decisões favoráveis ao contribuinte. Já a terceira, tem-se a revisão de ofício cabível em todos os casos enumerados no art. 149 do CTN.
Como a apresentação da DCTF retificadora não se enquadra numa das exceções taxativas, conclui-se que tal mecanismo não é instrumento hábil a modificar o despacho decisório regularmente notificado ao contribuinte. É preciso que o interessado também comprove, com documentos contábeis e fiscais, o erro que ensejou a retificação da declaração.
Autor: Raimundo Parente de Albuquerque Júnior

A eficácia probatória da DCTF na comprovação do indébito tributário


No âmbito dos tributos submetidos ao lançamento por homologação, o contribuinte, detentor de crédito decorrente de pagamento indevido ou a maior de tributo, poderá enviar pela internet Declaração de Compensação de débitos tributários, de modo a extingui-los, ainda que sob condição de posterior não homologação do ato pela Administração Tributária.

Para tanto, faz-se necessária a caracterização do indébito ou pagamento do tributo, que se dá a partir do confronto entre o pagamento realizado e o tributo declarado na DCTF. Em muitos casos, o contribuinte declara a compensação com o pagamento que considera indevido ou realizado a maior, mas que se encontra integralmente vinculado ao débito declarado na DCTF.

No prazo de homologação da compensação, a Administração Pública observa então a inconsistência, notificando o interessado a prestar esclarecimento, e se for o caso, a retificar a DCTF. Ante a ausência de manifestação do sujeito passivo, o sujeito ativo não homologa a compensação declarada, emitindo Despacho Decisório (DD) fundado na inexistência do referido pagamento indevido ou a maior, tendo em vista a sua integral vinculação a débito declarado de mesmo valor.

Contra tal decisão, insurge-se o contribuinte mediante Manifestação de Inconformidade (MI), apresentando a DCTF retificadora do débito vinculado ao pagamento objeto da compensação.

Diante de tal situação, grande parte das Delegacias de Julgamento da Receita Federal do Brasil (DRJ) tem admitido a comprovação do pagamento a maior ou indevido através, unicamente, da DCTF retificadora, desde que entregue à Receita Federal do Brasil (SRF) antes de o contribuinte ter sido notificado do despacho decisório. Nesse sentido, o Acórdão DRJ/FOR nº 16.632, de 25 de novembro de 2009, assim ementado: 

DCTF. RETIFICAÇÃO. DECISÓRIO. ESPONTANEIDADE. REDUÇÃO DE TRIBUTO. CONFIGURAÇÃO DE PAGAMENTO A MAIOR OU INDEVIDO.

É legítima a declaração retificadora que reduzir ou excluir tributo se apresentada por contribuinte em espontaneidade legal. No entanto, para que se atribua eficácia às informações nela contidas, especificamente em relação àquelas que suportam a caracterização do pagamento a maior ou indevido de tributo, é mister que a retificadora tenha sido entregue antes do decisório. Se entregue depois, incumbe ao contribuinte o ônus de comprovar o seu direito creditório mediante a juntada, com a manifestação de inconformidade, não somente da declaração retificadora, mas também de documentos que fundamentam a retificação. (DRJ/FOR)

Sob o ponto de vista legal, essa decisão não encontra obstáculo na legislação que disciplina a DCTF (IN RFB nº 1.110, de 2010) nem no §1º do art. 147 do CTN, já que a intimação que antecedeu ao despacho decisório não tem o intuito de estabelecer procedimento fiscal, ou seja, não retira a espontaneidade do contribuinte de reduzir seus débitos originalmente declarados. Muito pelo contrário, é o próprio órgão fazendário que sugere a possibilidade de sanear pedidos de compensação mediante a apresentação de DCTF retificadora, de modo que as DRJs não poderiam negar-lhe eficácia probatória do crédito pleiteado, sob pena de agir de modo contraditório.

Entretanto, esse procedimento torna-se uma porta aberta à fraude fiscal. O contribuinte muitas vezes retifica o débito declarado, reduzindo o seu valor, a fim de que o indébito ou pagamento a maior exsurja às margens da decadência do lançamento tributário, fazendo surgir um suposto crédito informado em DCOMP anteriormente apresentada. Esse efeito somente se produzirá se a retificação da DCTF for entregue antes de cientificado Despacho Decisório que denegar a homologação da compensação. Nessa hipótese, atribui-se à DCTF eficácia probatória do indébito tributário, dispensando o requerente de apresentar livros e documentos contábeis e fiscais.

Isto certamente é motivo de preocupação da Administração Tributária, que não tem muito que fazer diante da massificação das Declarações de Compensação. Talvez o risco de fraude pudesse ser minimizado mediante alteração da legislação, que estabelecesse a caracterização do indébito tributário na data da transmissão da DCOMP; ou mesma de uma evolução da jurisprudência administrativa, já que há fundamento legal que sustenta esse entendimento. Dessa forma, a administração fazendária teria mais tempo para examinar a conformidade da DCTF retificadora, em eventual procedimento fiscal. Enfim, não é razoável aceitar que o contribuinte informe um crédito que, na data da DCOMP, não seja líquido e certo, ou melhor, inexistente, segundo as declarações por ele mesmo apresentadas. Assim, propõe-se, no sentido de resguardar os interesses da SRF contra práticas fraudatórias, que, no âmbito da autocompensação (aquela que opera eficácia extintiva do débito compensado e permite que o contribuinte obtenha inclusive uma CND), a liquidez e certeza do crédito sejam avaliadas no momento do envio da DCOMP. No plano da compensação extintiva, a liquidez e certeza podem ser aferidas posteriormente, a exemplo do que ocorria com a compensação a requerimento, desde que o interessado instrua o seu pedido com documentos contábeis e fiscais aptos a configurar o indébito tributário.

Desta forma, se a documentação apresentada à SRF não for satisfatória para comprovação do indébito tributário caberá multa isolada no percentual de 50% (se não houver falsidade) ou 100% (se houver falsidade) sobre o valor total do débito indevidamente compensado. Sobre o débito compensado indevidamente incide a multa moratória, cobrada juntamente com o débito (§§ 15 e 16 do art. 74 da Lei nº 9.430/96).

A Fazenda Pública tem interesse que os pedidos de compensação sejam logo solucionados, visando à eficiência do julgamento administrativo. As notificações e despachos decisórios são emitidos eletronicamente e em grande quantidade, enquanto as manifestações de inconformidade são examinadas uma por uma pelos órgãos de julgamento, sendo certo que o homem não pode concorrer com o meio eletrônico. Para que o contribuinte não fosse prejudicado pela demora no exame administrativo de sua DCOMP, fixou-se o prazo de cinco anos para a Administração Tributária homologar ou não a compensação declarada (Lei nº 10.833/03), sob pena de o débito ser definitivamente extinto.
Autor: Raimundo Parente de Albuquerque Júnior

Compensação Antecipada x Compensação Extintiva


No âmbito dos tributos de competência da União (IRPJ, CSLL, PIS, COFINS, INSS, IPI, IOF, IRRF), a partir da legislação encontram-se três formas de compensação tributária de acordo com a participação do sujeito passivo e da autoridade fiscal, a saber:

(i) ato do sujeito passivo por meio do qual declara à Administração Tributária a compensação de débitos fiscais com crédito passível de restituição ou ressarcimento, extinguindo-os sob condição resolutória de ulterior não homologação, nos termos do §1º do art. 150 do CTN e do §2º do art. 74 da Lei nº 9.430/96 (compensação antecipada ou autocompensação);

(ii) procedimento realizado de ofício pela Administração Tributária, que, depois de reconhecer o direito creditório objeto de pedido de restituição ou ressarcimento, desconta, no momento da efetivação do pagamento, débito do sujeito passivo para com a Fazenda Nacional, na forma prevista pelo art. 7º do Decreto-lei nº 2.287/86, com a redação atribuída pelo art. 114 da Lei nº 11.196/05 (compensação de ofício);

(iii) ato da autoridade tributária que homologa, nos termos e condições estabelecidos em lei, a compensação declarada ou requerida pelo sujeito passivo, extinguindo definitivamente o débito, em conformidade com os arts. 170 e 156, inciso II, do CTN (compensação extintiva).

As principais características da compensação antecipada são a unilateralidade do sujeito passivo e automaticidade do procedimento para que se opere a extinção do débito, ainda que sob a condição resolutória. Nesse sentido, Hubo de Brito Machado afirma que: 

Sendo a compensação processada no âmbito do lançamento por homologação, a liquidação do valor devido, vale dizer, daquele valor que deveria ser pago pelo contribuinte, é determinado por ele próprio, tal como ocorreria se devesse fazer o pagamento correspondente. Este é o débito do contribuinte. O crédito, por sua vez, é o valor que foi pago indevidamente. Valor que também em regra é determinado pelo contribuinte.

 A compensação por ato do sujeito passivo valeu-se de diversos instrumentos, que foram evoluindo de acordo com a legislação tributária. Inicialmente, a compensação por iniciativa do contribuinte se contentava com o seu registro na escrituração contábil, operando-se na prática o desconto do tributo a ser recolhido com o crédito relativo a pagamento indevido ou a maior de tributo pago relativo a período anterior, desde que da mesma espécie e destinação constitucional (art. 66 da Lei nº 8.383/91). Esta modalidade caracteriza-se pela desnecessidade de prévia autorização da autoridade fazendária para antecipar a compensação e de prévia liquidação do montante a compensar. É, por isso, denominada de autocompensação.

Paralelamente a essa forma de compensar, a Lei nº 9.430/96, instituiu a compensação a requerimento do sujeito passivo, dando aplicabilidade ao art. 170 do CTN (compensação a requerimento). Neste regime, a SRF está autorizada a compensar os créditos a elas oponíveis para a quitação de quaisquer tributos, de espécie distinta ou diferente destinação constitucional em relação ao crédito. Quer dizer que a matéria foi alterada tanto em relação à abrangência da compensação quanto em relação ao procedimento.

Com o advento da Lei nº 10.637/02, o procedimento de compensação foi uniformizado, operando-se mediante remessa via internet de declaração, elaborada em programa eletrônico, Programa Pedido Eletrônico de Ressarcimento ou Restituição e Declaração de Compensação - PER/DCOMP, na qual constarão informações relativas aos créditos utilizados e aos respectivos débitos compensados, independentemente de serem da mesma espécie ou destinação constitucional. A nova sistemática transmudou a compensação em procedimento que antes estava sujeito ao prévio requerimento e autorização fazendária, para objeto de simples declaração do sujeito passivo.  De outra visada, a autocompensação que antes se realizava contabilmente e no recolhimento de débito fiscal da mesma espécie e destinação constitucional do crédito que lhe era anterior, passou a ser efetuada mediante declaração eletrônica entre débito e crédito, independentemente de serem da mesma espécie ou destinação constitucional e da data de surgimento do crédito em relação ao vencimento do débito.

Deste modo, percebe-se que o PER/DCOMP tem se revelado um instrumento eficiente nas mãos do contribuinte. Exatamente por isso, deve ser utilizado com prudência, conhecimento da legislação e da jurisprudência administrativa e judicial, a fim de se evitar inconveniências futuras decorrentes da aplicação de penalidades por compensação indevida e da cobrança do débito cuja compensação não tiver sido homologada pela Administração Tributária. Além de requisito formal da autocompensação, a DCOMP constitui confissão de dívida e instrumento hábil e suficiente para a exigência dos débitos indevidamente compensados.

Em resumo, eis o quadro das características distintivas entre a compensação extintiva e a compensação antecipada:

Critério
Compensação Antecipada
Compensação Extintiva
Agente
Sujeito Passivo
Autoridade Fiscal
Eficácia
Extinção sob Condição
Extinção sem Condição
Forma
DCOMP
Despacho Decisório
Objeto
Liquidez e Certeza Provisória
Liquidez e Certeza Definitiva
Prazo
5 anos do Pagamento Indevido ou a Maior
5 anos da DCOMP

Autora: Kelly Machado Queiroz Parente (Artigo de Conclusão do Curso de Graduação em Ciência Contábeis da UFC)

domingo, 16 de setembro de 2012

Verdade material

O que significa verdade material no processo administrativo tributário? Confira palestra do professor Paulo de Barros Carvalho sobre o tema, clicando aqui.